Unesp descobre alternativa de tratamento para anemia falciforme

21/04/2010 23:44

Produto contra a anemia falciforme possui poucos efeitos colaterais e pode se tornar primeiro medicamento sintético brasileiro

Beto Caloni (O Imparcial)

Uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp local identificou compostos com potencial para se tornar uma nova alternativa de tratamento dos sintomas da anemia falciforme. O responsável pela descoberta é o professor Jean Leandro dos Santos (FCF). O trabalho do pesquisador, realizado durante sua pós-graduação, teve a orientação da professora Chung Man Chin e a contribuição de especialistas da UFRJ, da Unicamp e da Universidad de La República (Montevidéu, Uruguai). O objetivo do grupo é que uma empresa farmacêutica compre a licença da patente já obtida e apoie à continuidade dos estudos. A anemia falciforme (ou depranocitose) é hoje a principal doença genética sanguínea no Brasil e no mundo.

Uma doença hereditária que causa a má-formação das hemácias, que assumem forma semelhante a foices (de onde vem o nome da doença), com maior ou menor severidade de acordo com o caso. Todo ano o Ministério da Saúde registra cerca de três mil e quinhentos casos. O órgão calcula que existem cerca de 50 mil brasileiros vivendo com a doença e mais de 200 portadores do gene transmissor da doença. Os sintomas – dependendo da gravidade – são: coagulação do sangue e entupimento das veias. Isso pode levar a fortes dores, inchaço, acidentes vasculares cerebrais, hemorragias, trombose e outros distúrbios. O portador fica fraco e pode sofrer danos neurológicos e até morrer. A esperança de vida é encurtada, com estudo reportando uma expectativa de vida média de 42 e 48 anos, em machos e fêmeas, respectivamente.

Causa Própria 
O alvo para as investigações foi proposto por Rosenício Eustáquio Nunes, aluno de graduação da FCF que sofre dessa patologia. Em 2003 ele propôs à professora Chung Man Chin um estudo ais detalhado dessa doença, pois achava que é muito pouco estudada. Rosenício conta que foi diagnosticado em 2003, quando tinha 15 anos. Faz transfusões de sangue periódicas, o que melhora suas crises de dor e problemas de circulação. Já teve cinco acidentes vasculares cerebrais e sofre com vários efeitos colaterais causado pela medicação. Ele está bastante esperançoso quanto a eficácia desse novo medicamento. Após optar pela pesquisa da doença, a equipe de Chung começou a investigar a atuação da hidroxiureia, descoberta na década de 1960 e até hoje o principal fármaco capaz de multiplicar a hemoglobina fetal, mas seus efeitos colaterais são severos: febre, dor de garganta, hematomas, taquicardia, falta de cor e sangramentos. A cura só é possível com o transplante de medula óssea.

Um dos benefícios do método de pesquisa utilizado agora é criar uma droga que combate, simultaneamente, diversos sintomas da doença. Além de produzir hemoglobina fetal, testes químicos comprovaram que o composto possui capacidades analgésicas, anti-inflamatórias, vasodilatadoras e antiagregantes (que ajudam a desobstruir vasos sanguíneos).

Primeiro Fármaco do Brasil

A partir de maio, essas substâncias passarão por testes em camundongos que foram geneticamente modificados para terem a moléstia. Esses testes devem durar quatro meses e serão feitos por Carolina Lanaro e Carla Fernanda Franco Penteado, pósdoutorandas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As cientistas têm a orientação do professor Fernando Ferreira Costa, atual reitor da Unicamp. A instituição é parceira do estudo, tendo registrado a patente do composto em sua agência de inovação, a Inova. Se os resultados forem positivos, a expectativa dos pesquisadores é que esse produto se torne o primeiro fármaco sintético desenvolvido no país. De acordo com a professora Chung: “A inovação em pesquisa e desenvolvimento de fármacos custa caro e a indústria nacional não assume riscos, buscando associar-se a um estudo apenas na fase final”, afirma. Para se ter uma idéia de quão atrasada está a busca por novos remédios no Brasil, a especialista ressalta que apenas em 2008 a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) regulamentou a pesquisa em seres humanos.

Na opinião da professora, outro fator que contribui para esse déficit é a cultura dominante no meio acadêmico, que sempre privilegiou a publicação de artigos em revistas científicas, em detrimento da busca de descobertas. “Quando um cientista investiga novos fármacos ou formulações farmacêuticas, nem sempre pode escrever artigos, pois, sem ser protegida intelectualmente através da patente, a idéia / invenção pode ser copiada por outros”, adverte. A anemia falciforme surgiu na África há mais de cem mil anos, por isso é comum naquele continente e também na Europa mediterrânea, no Oriente Médio e regiões da Índia (devido ao fato de estes serem povos miscigenados com escravos africanos importados entre o final da antiguidade e toda a idade média – incluindo a idade moderna; no caso dos Islâmicos, que se miscigenaram com parte significativa da África Subsaariana, através das vias de comércio entre o Mediterrâneo e o Golfo do Benim, além das vias do Índico Ocidental.