Indivíduo Isolado - Indivíduo Coisificado

24/05/2012 11:39

Indivíduo Isolado - Indivíduo Coisificado

*Dennis de Oliveira


Relações construídas anteriormente na minha vida estão trazendo inúmeros prejuízos. Principalmente porque, de forma até um tanto ingênua, acreditava em uma verdadeira cumplicidade. As minhas leituras e estudos conduziram-me para ter uma visão utópica, no sentido dado pelo Zygmunt Bauman: estar descontente e incomodado com o mundo atual e acreditar na possibilidade de se construir outro. O maior problema é a crença em construir outro mundo, principalmente levando-se em conta que isto é uma tarefa coletiva.

Por que problema? Porque tarefa coletiva exige despreendimento, companheirismo, cumplicidade, tudo o que não se vê hoje. Não estou nem falando das relações amorosas, e sim estabelecidas na sua vida cotidiana. Co-responsabilidade é a palavra mais adequada. No serviço, disputas mesquinhas se sobrepõe a uma organização coletiva do trabalho para que ele seja eficiente e poupe energias dispendidas a toa. Nos projetos coletivos que participamos, vemos muito mais uma disputa de ego e interesses pessoais sendo colocados acima dos coletivos. O resultado de tudo isto é a instrumentalização das ações humanas.

Aconteceu um problema complicado comigo hoje produto de um projeto que participei anos atrás quando estava a frente de uma organização. Estou encaminhando a resolução do problema mas me assusta a postura das pessoas que estão em torno disso – “vire-se”, é o que mais se entende das falas. Sequer conversar sobre – uma sequer permitiu que eu terminasse a fala para dizer que estava triste porque não sei quem estava doente; outra não responde; a maioria foge. E, de tempos em tempos, ligam pedindo a colaboração de alguma coisa.

Procuro sempre retirar lições destas experiências negativas. Olho para determinadas pessoas que, quando me encontra, abraçam-me e dizem estar com saudades. No fundo dos olhos, vejo pitadas de oportunismo combinados com pouco ou nenhum esforço para compreender o outro. Como é possível construir um trabalho coletivo visando a mudança deste mundo se as próprias pessoas reproduzem, em seus comportamentos cotidianos, práticas individualistas?

Uma repórter da Band Bahia está sendo punida pela emissora por conta de uma matéria absurda e preconceituosa veiculada no programa Brasil Urgente. Medida importante, mas infelizmente a tal Mirella Cunha só existe porque esta cultura individualista sedimentou na cabeça de muitos novos profissionais um pragmatismo irresponsável a ponto de taxar qualquer um que queria exigir responsabilidade social e ética como pessoa chata, saudosista dos anos 1960 e irrealista.

Há muito o que fazer, mas o mundo é sempre uma permanente construção/desconstrução.

 

*Dennis de Oliveira - Jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e do Programa de Pós Graduação de Direitos Humanos da USP. Coordenador do CELACC (Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro) e do Alterjor (Grupo de Pesquisa de Jornalismo Popular e Alternativo).