Criança mimada: a falta do cultivo de bons valores, como o servir e o auto-controle

09/02/2011 00:00

Criança mimada: a falta do cultivo de
 
bons valores, como o servir e o auto-controle
 
Regis Mesquita


Criança mimada pode ser bem "educadinha" e obediente. É um erro imaginar que somente as mais sapecas e dominadoras são mimadas.

A postura da criança dependerá da personalidade e da educação que recebe. Basta você conversar com mães de recém-nascidos que elas te descreverão a personalidade inata dos filhos. Criança mais extrovertida e agitada tem tendência de querer mais, propor mais, se expor mais e contestar mais a autoridade. As crianças mais introvertidas ou mais pacatas tem tendência inversa.

Educação, como disse em outros textos aqui no Blog Psicologia Racional, está muito mais ligada aos valores que passamos para nossos filhos, e menos aos limites que estabelecemos. Valores são os caminhos, limites são as margens, o aviso de que fora do caminho é mais difícil o caminhar.



Imagine a situação: uma mãe tem 6 filhos e mora em uma casa com quintal para cuidar, tem que lavar roupa na mão, cozinhar, fazer sabão, fazer manteiga, etc. A outra tem um filho, mora em um apartamento pequeno, com todos os eletrodomésticos, compra ao invés de fazer (suco pronto, mantega pronta, queijo pronto, sabão em pó, etc). A mãe com 6 filhos compra poucas roupas e brinquedos para os filhos, que são criados na "lei da selva" da rua. A mãe com um filho compra muitas roupas e brinquedos e o filho é criado ao lado de poucas crianças e muitos adultos.

São duas vidas muito diferentes. Na família grande, a convivência com muitas crianças obriga a criança a ter auto-controle, pois o grupo de crianças (que agia autônomo, sem internvenção de adultos) editava suas leis e quem atrapalhava era expulso dele. Os poucos brinquedos deviam ser bem cuidados e preservados, até mesmo construídos. Havia poucos brinquedos, portanto eles eram valiosos. Não adiantava a criança correr atrás de seu desejo, pois a comida era feita para todos, a roupa era mais ou menos igual para todos e, como havia muitos filhos, se fosse feita a vontade da criança a vida virava um caos. Estas crianças aprendiam a ter auto-controle e NÃO dependiam da realização de desejos para serem felizes.

Nesta vida mais simples, com muitos filhos e menos recursos financeiros e tecnológicos, a cooperação é um valor de sobrevivência. Assim, filhos mais velhos cuidavam dos mais novos, assumiam responsabilidades e tinham que ajudar no trabalho doméstico, no comércio ou na roça. Aprendiam a cooperar e a servir.

Obseve bem quanta coisa boa estas crianças aprendiam: cooperação, servir, trabalhar, cuidar, ser feliz com menos, auto-controle, se defender e saber lidar com grupos. Os valores são bons, e com valores bons o resultado tende a ser bom.

Vamos imaginar a vida da criança "moderna" com família pequena. São vários adultos e apenas uma criança, que para se divertir acostuma a pedir/exigir a presença adulta. Os grupos de que ela participa são mediados pelo dinheiro e por adultos (escolinha de futebol, etc). Ela circula em espaços protegidos, como shopping, onde há pouca oportunidade de conviver com pessoas diferentes e de ter o treino de resolver problemas sem a mediação de adultos. Como ela circula em espaços protegidos e comprados, a oportunidade de haver cooperação, o servir, o cuidar é muito reduzido. O desejo é estimulado, pois o nível de consumo é alto. São muitos brinquedos, muitas roupas, muitas vontades. Como são um ou dois filhos, no máximo, a família consegue ter um nível muito maior de consumo.  Até na alimentação o desejo ganha proeminência. Antigamente a alimentação era decidida pela dona de casa e feito por todos. Hoje é comum ir à praça de alimentação onde cada um come o que deseja - normalmente fast food. A televisão passou a ocupar parte da função de diversão que era exercida pelos amigos, irmãos e primos. A criança solitária assite tv e aprende com os péssimos exemplos que existem lá. Ou ficam isolados em computadores. O individualismo atinge níveis muito altos, o que gera egoísmo. Os brinquedos são descartáveis e abundantes. Não são mais valiosos, podem ser quebrados ou abandonados. Aliás, tudo passa a ser descartável.

Quais valores estão sendo realmente cultivados por estas crianças: individualismo, egoísmo, valorização do desejo, mediação da vida pelo dinheiro, status, super-proteção, isolamento, imaturidade para lidar com grupos e com dificuldades, falta de cooperação, falta do servir, etc. Ou seja, em grande parte das famílias o ambiente para criar os filhos está horrível, pois os valores que circulam NA PRÁTICA são péssimos.

Onde tem valores ruins os resultados tendem a não serem bons. E aí as pessoas ficam gritando que falta limites para estas crianças. Pois eu grito: faltam valores. Faltam experiências de vida que transmitam bons valores.

Valores não se aprende no blá, blá, blá. Valores são transmitidos no que as pessoas vivem no dia-a-dia.

A criança criada baseada em desejos e em valores ruins tende a ser mimada. Independente da família ser mais conservadora ou liberal, quando o desejo ganha proeminência, criamos pessoas com dificuldade de lidar com a frustração, cheias de vontades, dispostas a consumir (e para consumir tem que haver insatisfação com o que tem), egocentricas.

Criança mimada é sempre uma criança a quem falta bons valores.

Se você estabelecer limites para uma criança egoísta o máximo que você vai conseguir é uma criança menos egoísta. Dificilmente irá conseguir desenvolver o servir, o cuidar, o cooperar e outros bons valores.

Pense nisto!