A mulher e as várias faces do amor

08/03/2011 12:37

A mulher e as várias faces do amor

*Prof. Dermeval Corrêa de Andrade

Há muitas maneiras de se enganar as mulheres. Uma delas é dizer que as questões relativas ao amor podem esperar outra ocasião; ou então afirmar que falar sobre o amor leva, invariavelmente, ao perigo da libertinagem.

 

 

Devemos derrubar esses argumentos. Primeiro, deixar o amor para depois é o mesmo que deixar a vida para depois. Segundo, restringir o amor à genitalidade e fruto de mentes machistas que não querem ser checadas em suas relações íntimas. Por isso, só querem discutir as relações entre a mulher e o tanque ou entre a mulher e o fogão. A rebelião das mulheres deve colocar também no centro das discussões as relações íntimas e afetivas entre homens e mulheres, assiim certamente as atitudes autoritárias e atrasadas serão abaladas.

A esta altura do nosso diálogo provavelmente já haverá pessoas incomodadas protestando: Mas por que vem esse sujeito falar desse assunto? Não é mais um homem falando pelas mulheres? Essa idéia revela outro preconceito, porque tanto os homens quanto as mulheres devem falar sobre seus pares. Além do mais, estou falando com as mulheres, não pelas mulheres!

Como disse, vou falar com as mulheres, porém não com toas: somente com as oprimidas  e as discriminadas, pois suas lutas representam também um aviso para aquelas que buscam as mudanças sociais e esquecem que as relações entre homens e mulheres também devem estar incluídas nas transformações almejadas.

Os destinos traçados pela sociedade para a maioria das mulheres oprimidas são bem definidos. Desde meninas assumem os cuidados sobre os irmãos e irmãs mais novos e os afazeres  domésticos juntamente com as mães. No que se refere à sexualidade devem guardar-se ao máximo, para não perderem pureza, assim, suas amizades também são vigiadas. Na adolescência devem estar alertas para não ferir a moral da família. As relações sexuais, mesmo por amor, devem ser evitadas. A educação sexual não pode existir porque incita as “vontades adormecidas”. Esta angústia familiar só é aplacada com o casamento das filhas, não importando se elas vão para a nova fase de suas vidas com estrutura emocional para enfrentarem os inevitáveis conflitos  causados, em grande parte, pela desinformação na adolescência.

Durante esse percurso, a muler tem uma retaguarda composta por “conselhos familiares” guiados, geralmente, pela moral religiosa, que dá as diretrizes do comportamento e “consciência” às mulheres. Vemos então que todos falam pela mulher, assim como determinam seus anseios, seus projetos de vida e esperança. Vejam que todo esse aparato ideológico revela a vontade da classe dominante, pois bem sabem que os preconceitos servem como poderosas amarras para evitar as mudanças sociais.

A esta altura, as mulheres desesperadas querem saber se há nesse estado de coisas algum espaço para o amor.  Diríamos que o amor florescerá apesar de tudo, mas não como sonham os românticos e inconscientes. Caberá às mulheres colocar um freio nessa roda viva que engole a todas. E o que as mulheres têm a seu favor nessa luta?

Amor pela vida

O maior aliado das mulheres são os impulsos, essa força que vem de dentor das pessoas que, se bem administrados, vão provocar, investidos nos movimentos de libertação, um abalo nas relações calcadas nos preconceitos. É importante que as mulheres descubram e confiem em seus autênticos direitos. Dentre eles, ao lazer, ao trabalho, à liberdade e ao exercício das várias faces do amor.

Assim é que no amor por si mesma a mulher deve procurar uma auto-estima positiva, onde possa olhar-se com simpatia, descobrir seu potencial humano, ver seu projeto de vida realizar-se, sentir que é inteligente e pensar suas próprias soluços para seus conflitos. Precisa perceber que é dona de seu prazer, de sua beleza, de sua sexualidade. Contudo, cuidado! Amar somente a si mesma  é narcisismo demais. É importante que goste e se preocupe também com outras pessoas (claro somente das que merecem seu afeto). Devem amar alguém de verdade. Este modo de afeto leva o ser humano ao amor pela vida.

E quanto ao amor pelo prazer? Sabemos que mais de 60% das mulheres em nossa sociedade apresentam o que é chamado de frigidez, ou seja, a incapacidade de sentir o prazer sexual genital nos mais diferentes graus. Esta frigidez provém da estrutura social opressiva, castradora; não é inata à mulher, pois ninguém nasce com medo de sentir prazer. A dificuldade equivalente no homem oprimido não é a ejaculação precoce ou a falta de ereção, mas sim a incapacidade de viver o amor, a relação a dois, sem ser transpassado pelas imposições sociais, pelos preconceitos, pelas culpas. Assim, também o gozo masculino é limitado. Isso leva o homem ao machismo.

E chegamos a uma das faces mais Importantes do amor: o amor pela liberdade. Este só terá sentido quando a mulher entender que a liberdade é um direito de todos e que só coletivamente poderemos consegui-la. Esta consciência leva ao exercício de outro modo de amar, qual seja o amor pela participação coletiva. Este é um dos sentimentos que levam a mulher ao crescimento como ser social e lhe propicia a aprendizagem de que sua vida deve estar ligada ao de outras pessoas, à comunidade. A vida de uma mulher mentalmente saudável não deve restringir-se ao egocêntrico núcleo familiar.

Diante do que aqui abordamos, percebemos, caras leitoras, que estão totalmente equivocados os movimentos que estimulam as mulheres oprimidas a que lutem apenas pelas liberdades ao nível sexual ou que lutem contra as discriminações das quais são vítimas, apenas. É ilusão acreditar que nossa sociedade, como está estruturada, possa permitir avanços significativos do papel que lhes foi determinado. É preciso ter consciência de que somente com profundas transformações sociais é que teremos igualdade entre homens e mulheres, incluídas aí as relações íntimas e afetivas. Nessa luta devem estar mulheres e homens conscientes, buscando viver o amor em suas várias faces. Sem esquecer que o ódio, predominante nas sociedades injustas, deve ser despejado naqueles que se opõem às mudanças necessárias, que por definição  são os verdadeiros inimigos da humanidade.

 

*Prof Dermeval Corrêa de Andrade é psicólogo, formulador da Psicologia da Ideologia, presidente do Instituto Argumentos e consultor em Saúde, Cultura e Educação.